Na infância era só felicidade, da fase de entrada na vida de adulto até a maturidade; só problemas.

Hoje, J. Biltre é apenas um jovem senhor sentado à sombra de uma árvore pensando na infância que teve, e é nesse exato momento em que percebe que para ser feliz, para qualquer criança de qualquer tempo e de qualquer época – não precisa de muita coisa, basta um pouco de carinho e um pouco mais do que ter o que comer para se sentir quase sempre – bem. “Sim. Uma criança, enquanto cresce, apenas permanece assim a certa distância dos problemas dos homens!”, como se de fato os problemas simplesmente não existissem, mas a verdade é que os problemas existem, mais – para quem se permite percebê-los com maior intensidade, e menos – para aqueles que tentam levar a vida de maneira mais leve. Enquanto pensamento de uma criança, os problemas não significam nada, mesmo que afetem em cheio a vida de cada um à sua volta, um a um em seu tempo, as crianças sentem apenas que a energia não está boa, e mesmo para um adulto os problemas podem ficar maiores ou menores dependendo de como cada um reage, podendo até ocorrer de um problema ou outro passar batido, como coisa inexistente. “Enquanto eu era criança… de fato… nenhum problema nunca significou nada de muito sério. A vida só acontecia e só existia de fato… nas brincadeiras e na ação!”, mas algo de terrível acontece em seu exercício (no exercício da vida), e a falta de uma percepção confiável complica tudo, tudo fica ainda mais embaralhado e complicado conforme o tempo vai passando. Cada pessoa diminui a zero os problemas ou eleva à máxima potência conforme a própria experiência de vida. Nada muito além disso, simplificando a maneira como Biltre viveu a vida, amplificando na adolescência o que em sua cabeça eram só problemas, “para as inquietações da alma não existem limites”.

Biltre permanece assim à sombra de uma árvore, sozinho, pensando, enquanto homem cansado, enquanto acredita possuir a consciência de que pode e deve continuar a vida ao menos em pensamento, ao contrário do que acontecia em sua infância, agora como um dependente de algo difícil de eliminar; um vício. “A vida apenas em pensamento é um vício!”. Enquanto se recorda de coisas distantes e de um tempo em que hoje conclui quase com sarcasmo, que para ele o tempo; como “sendo esse tempo, o tempo do agora… como o tempo do impossível”, diante da incrível guinada que a vida foi acometida no Ajuntamento, um lugar de plena liberdade no passado agora é quase um inferno, uma escravidão. Biltre sempre foi de pensar a vida com extremismos, agora ele a percebe do lado oposto de quem tenta pensar diferente, mas não consegue agora de maneira mais intensa. Mas esse é um tempo em sua vida em que ele não deseja perceber o próprio pensamento, mesmo sabendo que nada pode ser almejado senão o de continuar pensando, pois vive em um mundo em que nada mais acontece na felicidade que antes acontecia e que não era reconhecida. “De fato… a vida acaba apenas por acontecer na imaginação! O que é uma pena em minha idade avançada, preciso tanto do meu corpo que infelizmente não corresponde aos meus pensamentos… e o que me resta se não pensar e recordar os acontecimentos do paraíso em que vivi?”.

Alguém disse a Biltre que ele nasceu em tempo conturbado. Nem mesmo ele jamais soube o que isso de fato significava ou que ainda significa “tempo conturbado?”. Guerra, fome, frio, violência? O certo é que nada disso, essa possível consciência, haveria de acontecer em sua vida até se tornar homem adulto de meia idade, avançando rapidamente para a velhice, e pensando apenas em quando era uma criança, momento em que o mundo quase passou totalmente despercebido, com suas dores, para quase todas as pessoas do Ajuntamento. Súbito disparou em voz alta, sozinho; o choro e a dor de uma criança são sempre efêmeros aos olhos dos homens diante de seus problemas, pensou e pensou e permaneceu pensando com um leve desespero de que hoje ao menos sua mente continua “livre”.

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